quinta-feira, 16 de abril de 2009

Quando o invisível nos salta aos olhos



Ali, num cruzamento, entre construções ostensivas, onde nenhum desconto é o bastante para o consumo justo e justificável, ele vagava cambaleante com uma moedinha numa mão, e a outra vazia.
Desistido de entender sua própria realidade, mas também a outra que não era a dele, não entendia mais nada, e nem queria mais.

A temerança substituiu a temperança e era somente com ela que ele batia de levinho, a mãozinha fraca no vidro fumê que acelerava um pouquinho à sua aproximação. Só por higiene, nada pessoal.
Quem tinha a sorte de vê-lo, passando bem diante dos faróis, notava logo a desdita e desviava a mirada. Outras poluições eram bem menos desagradáveis do que aquela, inútil que era, pousada num ser sem banho.

E os passinhos seguiam cambaleando o ser, equilibrando uma existência em quase nada, no meio fio da falta de valor. Afinal, que valor pode ter alguém sem banho e sem mais moedas a não ser as que lhe dão? Nenhum, é claro! O valor de alguém vem das moedas que tem e alguém que tem moedas decerto teria um banho também.
O rostinho apagado e puído, escondido numa fragilidade vergonhosa e envergonhada, mal podia deixar que seus olhos se mostrassem àqueles a quem olhava sem ver.

Como se vestisse um saco de pão e um sapato antes gasto do que jazia agora a seus pés, tudo lhe ancorava e lhe desistia. Até que o semáforo, corado de falta de jeito e desaprovação, aliviou-se em permissão para que todos se livrassem de tamanho constrangimento. Todos, menos um. E aquele semáforo entendeu a relatividade de Einstein em menos de um segundo.

Texto e foto:
Camila Caringe

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Hipocrisia



Como senti necessidade de escrever esse texto, uma palavra presa na minha alma de alguma forma relutava em sair.

Como todos os dias, sai para trabalhar, aquela velha rotina que me persegue e enquanto subia a rua, vi uma menina jogada na rua, não parecia ser uma menina de rua, pelo contrário estava bem arrumada mais jogada na rua, ensangüentada, parei e fiquei olhando em volta, as pessoas simplesmente passavam, passavam como se aquele corpo estendido ali não representasse nada, foi apenas um resto de comida, lixo..Em questão de minutos me veio um turbilhão de pensamentos, o q teria acontecido com aquela menina, para que ela estivesse jogada daquela forma na rua, o que seria aquele sangue na roupa dela, o que ela teria feito de mal, o que mal fizeram a ela.Olhei para o relógio faltavam 5 minutos para eu chegar no trabalho, olhei por uma então “última vez” para aquele corpo estendido e pensei que seria apenas mais uma a olhar e não fazer nada, por um alguém que necessitava de uma ajuda. Que eu seria apenas mais uma alienada, que vive em uma função de uma rotina, que vê um monte de gente precisando de ajuda, e fecha o olho para todo o tipo de necessidade que não seja a minha e para justificar ou minimizar minha culpa eu simplesmente coloco uma venda nos olhos.

Continuando meu relato, segui meu caminho e olhei para o alto, como se quisesse pedir desculpas aos céus, que por mais que desconhece a causa que fez com que aquela menina estivesse naquela situação eu seguia meu caminho, sem ao menos tentar ajuda-la. E me questionei quantas pessoas passaram no meu caminho e por estar “atrasada” com problemas pequenos eu não ajudava....Quantas vezes eu não ajudava a mim mesma, e deixava um monte de sonhos, de realizações jogados em uma calçada. Por que estava atrasada com “compromissos que julgavam serem mais emergenciais que a minha própria vida”

Quando voltei para almoçar e passei pelo mesmo local, a menina não estava mais lá, provalvemente alguém a tenha ajudado, ou ela acordou.Difícil tentar explicar...Mais me veio o seguinte questionamento “se eu deixar meus sonhos na sarjeta, até quando eles estarão ali para serem concretizados?” A hipocrisia anda de mãos dadas com a alienação, que a minha alma possa ser livre de ambas...

Bethiara Lima